Vivo em Fortaleza, uma das capitais mais injustas do Brasil, mas que tem apresentado grandes oportunidades de negócios a partir da solução de seus problemas. Fortaleza é um grande laboratório social.
Nos últimos anos, a cidade investiu na bicicleta como alternativa de transporte, ampliando o espaço urbano para um modal ambientalmente correto que promove a saudabilidade da sua gente.
Essa ampla cobertura da malha cicloviária é uma janela aberta para mais mudanças. O desafio surgido agora está focado numa operação de coleta seletiva porta a porta. Queremos ser a cidade que mais recicla no Brasil. Em oito anos, a taxa de reciclagem será de 50%.
A transformação do mercado de reciclagem em Fortaleza passa pela combinação de três perspectivas indissolúveis: mobilidade, gestão e inclusão social e produtiva. A cidade busca alternativas para promover a logística de baixo carbono e o caminho escolhido foi a indução de triciclos de carga.
Fortaleza apresenta a terceira melhor taxa de reciclagem do Brasil, atualmente em 7%. Embora ainda baixa, busca fomentar negócios para estimular práticas mais sustentáveis na gestão de resíduos.
Os catadores são os principais responsáveis pela coleta seletiva no nosso país e seguem vivendo abaixo da linha da pobreza. Geralmente trabalham em condições desumanas e marginalizadas. Há que se valorizar e dar mais visibilidade, conforto e melhores condições de trabalho para os catadores.
Como criar uma modelagem econômica cuja destinação seja a criação de novos negócios que abordem essas três questões, considerando uma lacuna de financiamento para cumprir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 12 da ONU até 2030?
O poder público de Fortaleza adotou o capital híbrido —ou 'blended finance', idealizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O desenho encontrado é uma iniciativa piloto em uma área de aproximadamente 90 mil pessoas. É uma integração estratégica de recursos sem fins lucrativos, recursos de fomento e desenvolvimento e capital privado em operações híbridas sob a mesma tese de impacto.
Trata-se do Re-Ciclo Fortaleza, cuja operação foi iniciada em agosto deste ano pela startup SoloS, vencedora de um edital na Central de Licitação de Fortaleza.
Os dados da primeira avaliação, aos 45 dias, revelaram que 16 catadores (sócios de duas associações), com quatro triciclos elétricos, realizaram mais de 1.250 coletas, gerando uma renda conjunta de aproximadamente R$ 45 mil. Além disso, 27 toneladas de matérias recicláveis foram coletadas.
É bom que se diga que os recursos de alavancagem aportados no Re-Ciclo Fortaleza são originários da prefeitura numa parceria com o Banco de Desenvolvimento Caixa Andina de Fomento (CAF), a agência alemã Giz e a iniciativa Tumi. A destinação financeira está direcionada para a infraestrutura social urbana, no modal de mobilidade sustentável e nos ecopontos.
Por outro lado, o capital de-risking é investimento social privado na veia. A investidora de negócios de impacto INTR3S e o iFood são as fontes de fomento e desenvolvimento.
É capital de geração de renda direta aos catadores e suas associações, da indução da economia circular do resíduo sólido, da modelagem do estudo de viabilidade econômica da operação e da mensuração dos impactos social e ambiental.
Na cidade de Fortaleza, o financiamento híbrido tem desempenhado um papel pioneiro. A parceria do governo local com bancos e agências de desenvolvimento, ao implantar capital híbrido e catalítico, abriu caminho para o capital privado seguir.
O Re-Ciclo Fortaleza fornece uma janela valiosa para um futuro de prosperidade.
Haroldo Rodrigues é sócio-fundador da investidora in3 New B Capital S.A. Foi professor titular e diretor de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Universidade de Fortaleza e presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Ceará.