O manejo dos resíduos sólidos urbanos é um desafio que está na agenda das cidades brasileiras, notadamente as grandes cidades. Atentem para alguns números aproximados:

  1. O sistema de coleta pública de resíduos na cidade de Fortaleza, capital do estado do Ceará, considerando seus vários tipos e equipamentos, trabalha com um volume de 130 mil toneladas de resíduos por mês;
  2.  O Brasil, historicamente, tem tido um desempenho muito aquém do esperado em reciclagem. Estudos apontam para um índice de reciclagem inferior a 4% no Brasil, enquanto, em várias cidades europeias, por exemplo, esse mesmo índice supera 50%.

Uma mudança de paradigma que encare a temática dos resíduos sólidos urbanos como fonte de renda e oportunidades é o caminho com maior valor agregado. Para tanto, é necessária a promoção da economia circular — o fomento ao reuso e a reciclagem são opções prioritárias à disposição final nos aterros sanitários.

Tal cenário só será possível se a prática da coleta seletiva, bem como uma logística adequada, que leve em consideração a capilaridade do território e a participação de toda a cadeia econômica, for estimulada e posta em prática como política pública.

Para tanto, é necessário aprimorar os processos, práticas, técnicas e paradigmas, até então estabelecidos como padrões para a coleta seletiva. Esses objetivos só serão alcançados por meio do estímulo e adoção de práticas e projetos inovadores.

Um bom exemplo vem de Fortaleza. O município, em parceria com a agência de cooperação alemã Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), testou nos últimos 2 anos no Projeto Re-ciclo, a utilização de triciclos de carga, elétricos e mecânicos, para otimizar o volume de recicláveis coletados e melhorar as condições de trabalho de catadores. Trata-se de uma prova de conceito em cenários pontuais, testando um novo equipamento para melhorar a logística da coleta seletiva por associações de catadores.

Estamos diante de um cenário onde alguns territórios da cidade se tornaram um laboratório social. O ensaio insere mobilidade e impacto ambiental como pontos fundamentais no desenvolvimento sustentável da cidade.

Os resultados obtidos, na referida prova de conceito, revelaram que é necessário ir além do equipamento em si. Está clara a relevância de integrar outras frentes ao projeto que digam respeito à consciência ambiental e ao engajamento da sociedade civil na prática da coleta seletiva, usando perspectivas inovadoras. Adicionalmente, é preciso uma definição de rotas otimizadas, o monitoramento por meio de indicadores, o engajamento de catadores e suas associações em maior escala, bem como a integração destes com a cadeia econômica da reciclagem.

Há evidências científicas que comprovam uma correlação direta entre o potencial de geração de resíduos recicláveis com o nível de renda da população. Quanto maior o nível de renda, mais os hábitos de consumo geram resíduos recicláveis. Ou seja, bairros adensados com IDH mais elevados, que portanto concentram atividades econômicas, serviços, comércios, postos de trabalho e onde, consequentemente, há uma maior produção de resíduos recicláveis, necessitam de uma logística de coleta ainda mais inovadora e eficiente.

Diante disso, o piloto da cidade de Fortaleza estimulou a criação de uma marco legal - Lei Municipal No 11.220 de Dezembro/2021, sustentado no desenvolvimento de novos modelos de logística urbana voltado para coleta seletiva, a partir de modais ambientalmente amigáveis, com infraestrutura pública compatível – ecopontos, pontos de entrega voluntários, ciclovias, ilhas ecológicas etc) e com estratégias de engajamento da sociedade.

Haroldo Rodrigues é sócio-fundador da investidora in3 New B Capital S.A. Foi professor titular e diretor de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Universidade de Fortaleza e presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Ceará.