É praticamente consenso, hoje, entre os líderes, admitir em algum momento que os negócios são lentos, burocráticos, não inovadores o suficiente, e que seus colaboradores não andam motivados. Eles estão prontos para experimentar a próxima moda porque não sabem mais o que fazer.
Ser um alto executivo carrega um alto preço para suportar uma pressão incrível sobre os ombros. Alguns até se adaptam a essa condição da melhor maneira possível, mas chegam à beira do esgotamento. Me parece que há um tabu em torno do tema. Imagino que seja porque deu um trabalho duro para chegar ao topo e admitir que está infeliz pode parecer assumir uma derrota.
De um lado, a vida dos negócios mudou: a complexidade, a escala, as demandas das partes interessadas, as expectativas do capital humano… Por outro, surge uma complexidade crescente de iniciativas e programas para tornar as coisas mais ágeis, para capacitar as pessoas. Por exemplo, iniciativas de mudança de cultura. Mas, na verdade, esses programas, de modo bem otimista, prolongam até certo ponto a vida útil do sistema de gestão do negócio. Na grande maioria não funcionam ou, pasmem, aumentam a complexidade.
Como consequência, um número crescente de executivos está abrindo mão de sua liderança nesses cenários de negócios. Em alguns casos, esse movimento está causando uma crise no modelo de gestão tradicional.
Nem todos esses líderes abandonam o mundo corporativo. Alguns deles vão trabalhar em novas organizações ou transformam as organizações existentes de maneiras extraordinárias. Na nova jornada, os líderes desafiam novos modelos mentais, olham para o seu negócio, e para a gestão, de uma maneira totalmente diferente. Eles são capazes de identificar que um conjunto diferente de estruturas e práticas organizacionais, com tentativas e erros, é muito mais poderoso, como também alma e propósito são grandes diferenciais.
De acordo com Frederic Laloux, esse é o momento em que o negócio salta para um sistema de gestão mais poderoso e centrado na autogestão. Ou seja, o negócio opera inteiramente sem uma relação chefe-subordinado. Para o pensador de negócios, isso parece loucura, mas é assim que sistemas extremamente complexos, como o cérebro humano ou os ecossistemas naturais, operam. Os líderes estão descobrindo a maneira de operar negócios com os mesmos princípios.
Os sistemas complexos do mundo não funcionam com hierarquia porque a hierarquia falha em sistemas com muita complexidade. No cérebro humano, há 85 bilhões de células; não há uma célula que seja o CEO e algumas outras células que acreditam ser o comitê executivo.
Se você tentar executar o cérebro de uma maneira rígida e hierárquica, ele para de funcionar imediatamente. Os ecossistemas complexos, como uma floresta, o corpo humano ou um órgão, se autogerenciam.
É bom que se diga que autogestão não significa ausência de estrutura. Há necessidade de estrutura, mas não necessidade de um chefe!
Ainda inspirado em Laloux, há uma série de estratégias que os líderes fazem para iniciar a jornada. Alguns montam uma equipe de entusiastas com o mandato de experimentar e prototipar. Em vez de impor a autogestão de cima para baixo, o CEO nutre essa equipe, garante que ela se reúna, que as pessoas aprendam com os sucessos umas das outras e que essas pessoas sejam protegidas, porque o modelo tradicional vai revidar. Essas ilhas de sanidade criam um transbordamento e fazem com que outras pessoas queiram participar.
Esse tipo de mudança vai na contramão do conceito tradicional de gestão. Há questões complexas sobre poder e controle, e sobre quais funções os gerentes terão nesse novo modelo mental organizacional. Um bom caminho é ter um facilitador experiente que não foge de conversas tão difíceis e importantes para ajudar as pessoas nesse novo mundo.
Outro ponto a ser considerado é o impacto que os millennials estão causando no local de trabalho. Eles têm um foco super relevante no propósito. Muitos millennials entendem instintivamente a autogestão. Até porque cresceram com a internet, um lugar sem hierarquia ou chefes no sentido tradicional. Eles estão acostumados com o fato de que qualquer um pode expressar algo, e então, se for bom, aquilo se espalhará, independentemente do título de qualquer pessoa.
A maioria deles também foi criada de maneira muito menos autoritária. Eles estão acostumados a questionar as coisas, cresceram sabendo que há desafios ecológicos assustadores, e, por isso, simplesmente ganhar dinheiro muitas vezes não é um propósito suficiente para motivá-los.
Os millennials são indutores da aceleração que pode acontecer no mundo corporativo daqui dez anos, quando alguns desses jovens subirem e chegarem ao topo. Se eles não tiverem saído antes!
Haroldo Rodrigues é sócio-fundador da investidora in3 New B Capital S.A. Foi professor titular e diretor de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Universidade de Fortaleza e presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Ceará.